ENTREVISTA A MÓNICA KAHLO
para o Blogue de Lisboa
Como é que
surgiu a escolha desta peça para primeira grande aposta de 2018 da Companhia D.
Mona?
"Nós não escolhemos a peça, porque ela não existia. A peça
Não Kahlo é da nossa autoria, escrita por mim e pela Sílvia Raposo para o
espectáculo. Fomos assumidamente canibais na construção desta peça, são
inúmeros os autores e referências com os quais dialogamos. O resultado final
faz parte da nossa identidade. A Frida dizia que era a desintegração. Nós somos
de alguma forma a integração, suturámos de alguma forma as vertebras quebradas
do século."
É possível definir o
que é o projecto D. Mona?
"Deus não está morto. E, em última instância, é comunista.
Não há lugar onde a comunidade de iguais seja tão real como na arte, no teatro.
O comunismo pode ter fracassado politicamente, mas há um lugar onde foi
vitorioso: numa sala de espectáculos. Todas as classes se sentam ao mesmo
nível, todas riem, choram e aplaudem em conjunto, todos se emancipam, todos
estão ali. Os vivos e os mortos mundiais estão ali. Nada se compara ao final de
um espectáculo com a sala cheia e o público a aplaudir, é transcendente e falo
como espectadora. Ali convoca-se a História. Como espectadora no final de um
espectáculo sinto o mistério tocar-me. Esse mistério é o quadro de Gauguin De
onde viemos, quem somos e para onde vamos? Emociono-me com frequência no final
dos espectáculos por esse motivo, há uma entidade que é chamada à presença
ali, chamem-lhe Deus, Amor, Esperança, o homem no seu Devir, o que quiserem. O projecto D. Mona é isso, é a procura da resposta para a pergunta de Gauguin. O nosso trabalho é o do refutamento de teses, da experimentação. Trata-se de uma experimentação muito nossa, para encontrarmos as respostas que procuramos, não as respostas que os outros acham que deveríamos procurar. Se tu, tal como nós, estiveres perdido e só, então, estamos a dialogar."
ali, chamem-lhe Deus, Amor, Esperança, o homem no seu Devir, o que quiserem. O projecto D. Mona é isso, é a procura da resposta para a pergunta de Gauguin. O nosso trabalho é o do refutamento de teses, da experimentação. Trata-se de uma experimentação muito nossa, para encontrarmos as respostas que procuramos, não as respostas que os outros acham que deveríamos procurar. Se tu, tal como nós, estiveres perdido e só, então, estamos a dialogar."
Qual é a proposta de
“Não Kahlo”? É um espectáculo biográfico?
"O espectáculo parte da vida da Frida, dialoga com o
surrealismo também, mas é autobiográfico. Autobiográfico é a palavra certa, o
espectáculo é sobre nós, D. Mona. É sobre a nossa identidade artística, sendo
que acredito que somos o que somos porque os outros são. Nada é novo, tudo é um
conjunto de referências, influências, vozes, imagens, sensações, por isso as
nossas criações são canibalistas, são Frankensteins. Eu e a Sílvia começámos
por fazer trabalho de pesquisa para construir o texto do espectáculo,
debruçámo-nos sobre as vanguardas porque existiam alguns pintores que nos
interessavam, principalmente impressionistas e expressionistas. O objectivo era
desconstruir algumas obras da pintura e construir um espectáculo, uma espécie
de pós-Pollock. Já conhecíamos alguns murais, mas durante o processo de
pesquisa apaixonámo-nos pela pintura do Diego Rivera, pela força que ela tinha,
o que nos levou à Frida. A Frida está para a vida como os murais estão para a
arte. A sua personalidade é incontornável, a vida e a arte estão entrelaçadas. Ela
é autobiográfica também, D. Mona e ela tinham algo em comum."
Que estilo de
teatro faz?
"Eu não sei o que é fazer um estilo de teatro nem me
interessa nada. O que eu faço é ser eu própria, eu sou D. Mona, está-me no
sangue, na urina, no suor, no pensamento. É o meu mundo, construído por mim e
pela Sílvia e pelos intérpretes com quem trabalhamos, no qual convido quem
quiser a entrar."
Entrevista disponível em: http://bloguedelisboa.blogs.sapo.pt/nao-kahlo-992047
12/12/2017